Thursday, March 27, 2008

Quem muito espera, um dia... cansa

«Não quero mais saber de ti», disse e depois desliguei o telefone na cara dele.

... Era a primeira vez que tomava coragem de fazer algo tão brusco.

Até então a nossa história era um "(não) Vale-a-pena-ver-de-novo", aquela mesma novela, os capítulos repetidos, o final que todo mundo ainda lembra qual foi, a única diferença de que a nossa não tinha final feliz... porque nem tinha chegado ao fim.

A nossa novela era eu aqui, esperando, e ele sabe-se lá onde. Nem um telefonema ou sinal de fumaça, não ligava nem mesmo para desmarcar inventando uma desculpa, apenas sumia, dias e dias sem uma notícia, e depois aparece, semanas depois - uma vez sumiu por dois meses - como se nada tivesse acontecido.

Eu, idiota, sempre a aceitá-lo de novo. Na teoria até sei, devia fazer diferente, me impor, mostrar que tenho uma vida, que não vivo à sua disposição. E naqueles dias - semanas ou meses - decoro tudo o que vou lhe dizer, e falo com as amigas, e choro mil vezes a mesma lágrima, dessa vez acabou... mas basta ele abrir a porta, nem precisa estalar os dedos já estou com ele de novo.

Às vezes - raro, mas já aconteceu - inventa uma desculpa, e mesmo sendo esfarrapada acredito como verdade. Não finjo que acredito, apesar de no fundo saber que é mentira; acredito porque quero acreditar.

Apesar de ser mentira é esta a sua verdade... e a minha.

E depois chegam as amigas, "Desculpe, mas você acreditou nisso? Ele está te enrolando...", e eu juro de pés juntos que é verdade, falo do olhar sincero dele, elas me mostram os fios soltos e eu acrescento detalhes que possam fazer com que a sua história pareça mais lógica, se calhar até penso que estão com inveja, mas jamais coloco em causa o que ele me diz, a sua mentira me conforta ao mesmo tempo que me tortura.

Mas na maioria das vezes o Tiago nem se dá ao trabalho de dar uma explicação. E vira o jogo, "Não confia em mim? Porque se não confia, é melhor terminarmos logo o nosso relacionamento", e eu, ai como sou idiota, sinto culpa e vergonha, peço que me perdoe, tento abraçá-lo, ele vira a cara se fazendo de ofendido, então passo os dedos pelas suas costas, fico em silêncio como criança arrependida, e quando a zanga - dele - passa a gente volta a ser o que era, ou o que somos em tão pouco tempo.

Quando de novo some as ideias voltam, as desconfianças e também a culpa por desconfiar dele.

Mas eu sei, eu sei de tudo, mas não quero saber.

Outra vez no colo das amigas elas voltam a dizer "Esse cara não te merece, arranja outro, a fila tem que andar", mas não consigo estar com alguém com outro na cabeça, e além disso o meu ânimo para sair à procura é tanto que certamente me darão por invisível.

O Reinaldo conheci numa dessas andanças, mas estávamos os dois a sofrer, eu de um lado e ele de outro, por pessoas diferentes. Era perfeito em tudo, nos gestos, no olhar, na ternura, e até mais bonito que o Tiago... mas naquela época eu e ele éramos apenas a metade de outras pessoas.

Então voltam os desabafos sobre o Tiago, confesso que o odeio, elas me dão apoio em tudo o que digo, vou repetindo os defeitos dele, o sofrimento que já me causou, a angústia. Gosto que repitam todos os defeitos que ele tem, é como se estivessem ao meu lado e a solidão fosse menor.
...É como se tivesse razão por sentir o que sinto, se é que os sentimentos têm alguma razão.

«Eu tenho sentimentos, seu canalha!», quantas vezes não cheguei a lhe dizer?!

Preciso repetir mil vezes que o odeio, talvez um dia me convença.

E outra vez decoro o que vou falar, ele no mínimo vai se sentir culpado, penso com ingenuidade... culpa é o que ele menos manifesta.

E quando chega eu só falto lamber os seus pés, os defeitos se transformam em qualidades e tudo o que iria dizer de ruim já não é, exactamente, aquilo que antes sentia. Não minto sufocando as palavras que tantas vezes repeti para as amigas, simplesmente já não o odeio de perto.

Entra jogando a chave sobre a mesa como quem apenas foi ali na esquina comprar um maço de cigarros quando afinal nem fuma, e de repente a pedra que pesava o meu coração derrete e evapora, como se só restasse um choro baixinho, um conforto de saber que a dor já não dói como antes, apesar de ainda estar ali.

Sei que tem uma noiva, até já me mostrou a foto dela na sua carteira. Horrorosa, mocréia, tribufu. Nem é feia, admito, mas sem sal, sem graça alguma, não é dela que sinto ciúmes, mas das outras pessoas com quem ele pode estar quando some. Minhas amigas têm razão, se trai a noiva comigo, também me trai com outras pessoas... Por que deveria acreditar que seria diferente? Mas acredito, só desacreditando quando estou com raiva porque está longe.

Mas volta para os meus braços e volta a ser todo meu. E volta a ser perfeito como nunca o foi à distância.

Nem sei o que ele tem ou me faz. Sei que chega em casa, joga as chaves na mesa, lembro que esteve sumido, ele não quer discutir, vai para o banho e enxuga o corpo com a minha toalha, depois abre o armário, veste um short, suas pernas musculadas desfilam pela casa, pega uma maçã no cesto de frutas, parece morder com todos os dentes, mastiga e vejo os músculos da sua cara se movimentando, e é aí que me perco.

Certamente nota o meu tesão misturado com desespero, porque minhas palavras tropeçam, só consigo olhar para os músculos da sua cara, aquela boca devorando a maçã com vontade e ao mesmo tempo com desprezo, é uma maçã saborosa e também apenas mais uma maçã.

Então se deita na cama e liga a tv, fica a mudar os canais para ver se encontra algo, continua mastigando a maçã, põe a mão sobre o short para mudar o pénis de lugar, estica as pernas e finge que não existo.

Pergunto se quer mesmo assistir tv e ele diz que na casa da noiva há mais canais. «Mas ela não te dá o que eu te dou», penso em dizer, mas tenho medo que ele entenda como uma pergunta e resolva me contrariar. Sádico.

Fico em silêncio, não vamos brigar por causa da televisão. «Então fique com a porra dos canais da casa da sua noiva!», é o que grito por dentro, mas o grito não sai. As chaves que ele joga na mesa quando chega são capazes de emitir maior som que a minha voz.

Não tira os olhos da tv e nem me encara de frente, sinal que também não quer discutir.

Encerro qualquer início de discussão porque não há tempo a perder, ainda mais quando no fundo sei que desconheço quando irei tê-lo só para mim de novo.

O que sinto não é apenas tesão, mas saudade. Quero invadir o seu corpo porque é a única prova que tenho de que realmente está comigo.

Então nos beijamos e eu já me excito.

"Senti a sua falta", é a primeira vez que me diz algo gentil desde que chegou. Não vou discutir dizendo que só sentiu a minha falta porque era ele a estar ausente, agora não importa mais.

Abre o zíper da minha calça e me acaricia, depois nos chupamos um ao outro e ele se põe de quatro para mim.

Não é dessa vez que passa a noite comigo, pergunto se não prefere ir pela manhã, "tenho que ir", ele responde seco, veste as calças e vai embora, pergunto quando volta e ele não responde, mas eu sei, sempre volta. Ou não sei.

Cheiro o meu short que ele usou e depois o visto, quero continuar sentindo o cheiro dele no meu corpo.

O telefone toca e não é ele, mas Reinaldo, quando nos conhecemos nenhum dos dois estava bem, mas pelo menos me ouviu... Fez o convite para um copo e decido aceitar, assim distraio a cabeça e controlo a ansiedade que já sinto pelo próximo encontro com o Tiago, quando foi ainda naquela manhã que tinha ido embora.

Pode ser que volte no sábado, dentro de uma semana ou dois meses, ou que não volte nunca mais. Como pode ser que, quando se lembre de voltar, já não me encontre.

Tanto tempo estive possuído pela paixão que agora, ao vê-lo na rua tão magro e com a barba para fazer já não o reconheço. Disse que a noiva o deixou, e eu também, mas não vou me sentir culpado. Dessa vez não.

Agora estou bem, melhor que nunca, mas ainda me recordo do que vivemos e choro por dentro pelo que poderia ter sido e não foi.

Mas estou muito melhor e não penso em voltar, nem se me desse agora tudo aquilo que devia ter dado na hora certa.

«Não quero mais saber de ti», disse e depois desliguei o telefone na cara dele.

... Ele pensou que era brincadeira mas eu nunca tinha falado tão sério. Tão sério que até me convenci, e era o que precisava para me sentir livre para o amor.

Durante todo o tempo pensei que era eu que precisava dele, quando ele que precisava de mim e me procurava quando sentia falta.

Hoje descobri que sou e posso mais, que inclusive posso amar quem me ama, alguém que precisa de mim da mesma forma que eu.

A casa ficou vazia e hoje tem novos donos, assim como o meu coração. Não precisava do Tiago ou de qualquer outro homem, assim como hoje não preciso apenas do Reinaldo.

... O que preciso é de amor. O que preciso é de amar sem ficar sentado numa fila de espera.

Deixei de viver de mentira e agora amo e me sinto amado.

Mentiria se dissesse que foi fácil tomar a decisão. Mentiria ainda mais se dissesse que foi fácil esquecer o Tiago, principalmente quando ele pediu para voltar, largado pela noiva.

... Podia ser todo meu agora, bastava eu querer.

«Agora que estou livre já não me quer?» - ele dava a sua última cartada. «Você nunca foi livre, Tiago, nem agora.» - foi o que respondi, depois virei as costas.

Nada melhor do que o sofrimento para nos fazer respeitar o sofrimento alheio. Reinaldo tinha sofrido, por isso me entendia tão bem. Entendia inclusive aquilo que eu negava, precisava de algo que me acordasse das minhas ilusões. Já tinha se esquecido do seu ex, mas eu ainda só falava de Tiago. E Reinaldo foi me ouvindo, paciente, dia após dia, e cada vez nos identificávamos mais. De repente eu falava menos no Tiago, assim como ele já nem tocava no nome do seu ex.

... Mas mesmo assim eu conhecia a minha novela, Tiago entraria pelo apartamento jogando a chave na mesa.

Reinaldo trouxe uns filmes, fui buscar as pipocas no microondas e quando volto para a sala ele me empurra para a parede e me tasca um beijo na boca. Não sabia exactamente o que sentir naquela hora, mas fechei os olhos e me deixei levar pelo beijo, que era muito bom. Seu corpo encostava-se ao meu e as pipocas ficavam esparramadas pelo chão. Nada importa.

O filme na nossa frente e nós no sofá, eu sentado e ele de pé, o volume na calça jeans, o meu volume nas minhas calças. Tensão, timidez, insegurança, medo... desde que conheci Tiago nunca estive com outro homem.

E se Tiago chegasse de repente e nos visse assim no sofá, eu sentado e ele de pé com o pénis na minha boca, ou logo depois quando ele se deitou de lado e eu por trás lhe penetrava?

Tive medo, perderia Tiago para sempre, mas ao mesmo tempo era excitante, Tiago chegaria e nos veria em acto de amor, um amor que nunca tinha me dado.

Mas o medo alimentaria o tesão. Não poderia ser medo de perder o Tiago se nunca o tive.

Reinaldo gemia e eu gemia também, ele era perfeito, se entregava como se quisesse colar o meu pénis no seu ânus, e assim poderíamos ficar a vida toda, deitados no sofá assistindo um filme.

Adormecemos naquele sofá aquela noite e na noite seguinte. Tiago afinal nem se deu conta de que tinha me perdido.

Ligo e ele não atende, pensa que virei com cobranças por ter sumido de novo. Quando atendeu fui breve "Não quero mais saber de ti", e desliguei o telefone na cara dele.

O short que ele usou já tinha perdido o cheiro, porque a minha vida agora já tinha outro sabor.